sábado, outubro 27, 2007

Altar

Não sei se a puta é
inocente ou culpada.
A única coisa que sei
é que a puta,
em sua inexatidão,
é toda mistério profundo
e vítima de suas próprias feras:
a menina que entra na selva,
segue os rugidos que escuta
e morre devorada pelo bicho.
Depois, só depois, descobre que
entrou na selva do seu umbigo,
seguiu os seus próprios rugidos
e morreu devorada pelo bicho que é ela.
Não falo da puta que se vende
para pagar os remédios da mãe doente.
Falo da que se dá de graça,
co'a boca orgulhosa pintada de risos,
mas com uma tristeza amarga no olhar.
Não falo da puta, coitada,
que é produto de um meio.
Falo da puta, coitada,
que já nasceu aberta em flor:
escravinha da própria lascívia,
objetinho do próprio prazer,
a puta doce que se come toda
quando há lua-cheia
- Falo da puta que não crê em Deus,
a puta que não carece Dele,
que sofre e goza num mesmo ritmo,
a menina que destoa o cântico
do coral da igrejinha.
E não da que clama aos céus
melhores condições de vida:
a puta profissional que se torna evangélica.
Não falo da puta que se fantasia de carnaval,
falsa loura, mendiga e difamada;
falo da puta que é o próprio carnaval
e escuta o lobo uivar dentro do seu ouvido,
sozinha
- Falo da puta sozinha,
que prefere não ter ninguém
a ter uma só pessoa. A puta
que cai nas próprias armadilhas.
A puta adolescente
que não conhece o mundo,
a puta criança
que chupa o dedo,
a puta gostosa em sua miséria.
A puta quase invisível,
quase imperceptível,
que é puta por descuido,
que é puta por um fio.
A puta que é santa.

7 comentários:

Luis Gustavo Brito Dias disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luis Gustavo Brito Dias disse...

porra, amanda: Madalena e Altar... gosto de poesias sobre putas. e você colocou todas elas num emaranhado de inspirações. me hipnotizou, conphesso.

Walter Ramos de Arruda disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Walter Ramos de Arruda disse...

A entrega à inexatidão que contém a puta em “Altar” carrega consigo diversos rogos sob um estandarte moralizante. Não a moral estabelecida, nem transcendente. Mas o fluxo de uma consciência feminil que se dá ao luxo daquilo que a define enquanto tal. Como se uma ética original a gerisse. Após ser gerada. É a pura puta enquanto estatuto idealizado. Intocada.
A voz poética enquanto locução descritiva, que afaga a lascívia e, libertária, segue a emular a tal persona do poema com a rameira comum (sobre a qual não se fala), deixa pronta a armadilha que convida o leitor incauto a desposá-la.
Fantasmal - evoca em resvalo o mito romântico. Como se a puta mais desejada ganhasse o turno da fala, após largamente anunciada e, prestes a se pronunciar calasse. Castigando a menor desatenção, a ínfima afobação de quem lê. Fanal na noite que encerra o poema e some; etérea que é.
E aquela sobre quem se discorre não está ali, não vem.
Inacessível apenas por saber-se plena, atrás de uma imagem que, tal qual ornato em gesso no alto - misteriosa e contida, parece sorrir.


Parabéns pelo poema, Amanda.
(18 anos é mesmo uma idade sem dono).

Marina Moura disse...

Putaquepariu

Marina Moura disse...

Putaquepariu

Anônimo disse...

Caralho, amanda...
Esse foi demais!