segunda-feira, março 03, 2008

Oração




Deus, dá-me um corpo oco, um mundo feio, com jeito de desamor. Faça com que nós dois - eu e ele - não sejamos nada além de cócegas nos mamilos e pêlos da nuca em pé. Como eu queria, Deus, não ter esse coração que conversa comigo todas as noites como se fosse gente, e esse peito que, quando não é castigo, é castigado: esse peito que é negrinho no tronco, escravo, chicoteado peito de mulher. Ai, como eu queria, Meu Deus, como eu queria! que tudo fosse casa dos horrores. Que a vida exalasse cheiro de algum carnavalesco sangue sobre pêlos púbicos de amantes-cadáveres. Como eu queria que nós dois - eu e ele - não precisássemos nos esconder da verdadeira paixão, pois paixão não haveria neste mundo feio pelo qual eu rogo, neste mundo que eu queria. Meu Deus, como eu queria ter essa minha escandalosa agonia, típica de quem ama bichos - bochechas rosadas, lindas vontades de suicídio, língua áspera de esperar chupando litros de lágrima no travesseiro - essa minha escandalosa agonia escondida debaixo do tapete, muda, como sujeirinha de pai maquiada: sem grito e sem apelo, sem faxina e sem descoberta. Deus, dá-me essa coisa que eu tenho, essa coisa imensa e inoportuna, de uma outra forma: veste, Deus, amor de desejo, espírito de carne. Carne apenas, nada mais que isso. Amém.



Foto: Bruno Vieira.