quinta-feira, abril 24, 2008

Maligna

Hoje me desnudei frente ao espelho, co'a boca vermelha entreaberta, como quem insiste em esperar qualquer coisa do vácuo. Eu tive a nítida impressão de que dou para o mal. Não o mal benigno, o mal que todo ser-humano necessita possuir, mas o mal de quem tem a nítida impressão de que dá para o mal: o mal de quem furou todos os dedos em pacto com o Demônio. O que eu sou? - perguntei-me - Sou nada além de um bicho solto. Uma vontade quase satânica de contemplar o que é feio - quem dera fosse por exercício de exacerbação, mas não: uma vontade de contemplar o que é rubro, pois ser menina pálida do portão de casa me dá tantas e tantas ânsias de vômito. Hoje me desnudei frente ao espelho e soltei os meus cabelos negros ensaiando o ato de fazer doer. E desejei, fria e intimamente, ser o chicote maltratando a carne de todos os homens de bem.

terça-feira, abril 08, 2008

(In)sanidade

Se somos filhos do desamor - da união incrédula e infiél, onde há somente o desejo dos dentes cravados na carne -, somos filhos da loucura, pois não há maior delírio que o de se entregar sem alma. Se somos filhos do amor - da união de espíritos numa noite medonha de estrelas ardentes no céu-da-boca -, também somos filhos da loucura, pois não há maior delírio que o de abandonar cárceres em nome do vôo e em seguida enjaular-se novamente em novo mundo. Querida, vês? Não há, portanto, quem se salve das alucinações bandidas: qualquer alucinação, ainda que, por vezes, roube os nossos sentidos e incendeie a nossa morada - ainda que nos apunhale pelas costas -, qualquer alucinação nos devora: tanto, tão completamente, que nos resta aceitar a condição de que crescemos em seu útero e em seu útero quente de mãe macia permaneceremos. De uma forma ou de outra, somos mesmo doce fruto d'alguma loucura, como suco escorrendo pelo queixo da menina no instante em que ela morde a ameixa roubada da árvore da vizinha. E é preciso que toda loucura seja honrada - não perdoada, pois não há natureza que necessite perdão.