terça-feira, julho 31, 2007

Música

Não era o menino
com seu violão.
Era a farinha, o trigo, o leite
- o pão;
era o alimento sagrado
desmistificando o pecado
nuns olhos fundos,
corpo salgado.

Não era o menino
com sua canção.
Era a boca aberta do meu coração
a esperar qualquer coisa
que se parecece com arrepio;
ou a falsa esperança
de não sonhar mais em vão
- desafio.

Não era o menino
à luz da lua.
Éramos dois (muitos)
desnudando a rua
e deixando a verdade entrar.
Para depois,
distantes,
termos em quê acreditar.



Para Dyogo.

quarta-feira, julho 18, 2007

Licença Poética

Deixe-me errar
- O poema sempre chega
quando não há o esperar.

Arromba a porta,
invade a alma,
recicla a carne,
põe-se a rogar.

É linda! a sua
autoridade...
Eu sempre lhe tenho
licença a dar.

segunda-feira, julho 16, 2007

(In)Válida

Sou a mulher que arrancou
os próprios seios.
Sou a mulher que se mutilou.
A mulher que agora
habita alma sem corpo
e que nunca mais poderá
amar alguém.

O amor é uma fogueira
- destino exclusivo das bruxas más.
Sou a mulher que abandonou
feitiçarias e carnavais;
a mulher que não risca mais os fósforos;
a mulher que não se incendeia mais.

Sou agora a mulher mais fraca,
que jogou fora útero e ovários;
a mulher que matou os filhos,
o marido, os amantes e os empregados.
Sou a mulher que expulsou a carne
e explodiu a casa.

Sou a mulher que queimou seu sexo,
sua certidão de nascimento,
seu nome de casada.
Sou a mulher que de mulher
não tem mais nada,
a não ser o direito de ser incompleta:
a invalidez revolucionária.

sexta-feira, julho 13, 2007

Mentiras

Não creias em mim,
pois vivo falando
palavras não ditas;
vivo calando
palavras explícitas.

Não creias em mim,
pois quando choro
é tanto o gozar!;
quando oro
é querendo me profanar.

Quando digo que amo,
não creias em mim,
pois o afago
é o meu odiar.

quarta-feira, julho 11, 2007

(In)Vencibilidade

Encher-se de coragem
- eis a meta!
Vencer o absurdo
- eis a merda!

Ser Poeta (ou Natureza Poética)

Seremos poetas:
Domesticaremos os leões
Que vivem nas sombras
Das entranhas
Depois lhes serviremos
De sagrado alimento
Em nome da Alta Voz
Da natureza.

quinta-feira, julho 05, 2007

O Gato

O cigarro se torna nossa existência
quando há buracos no estômago:

Em minha primeira vida
fui feliz
- Tempo em que ser rei
era fácil demais.

Em minha segunda vida
fui Primeiro Mundo
- Eu não carecia de fé,
tudo era imenso.

Em minha terceira vida
fui fútil
- Quanta beleza e exatidão!,
tocar as coisas me satisfazia.

Em minha quarta vida
fui bruxa
- O mundo ao meu alcance
depois a fogueira.

Em minha quinta vida
fui o herói
- Mudei meu nome, destruí impérios,
obtive a graça.

Em minha sexta vida
fui gato
- percebi que me restava
apenas uma vida.

Em minha sétima vida
fui eu
- Cava mulher
morta de câncer.