quinta-feira, junho 21, 2007

Cruz

Não morre não.
Enfia tua língua na boca da vida
e emenda um beijo cor-de-rosa
que não acaba nunca...
Depois rasga a roupa da vida,
seduz a vida,
deixa a vida ser tua amante feliz.
Não morre não.
No máximo, canta para a vida dormir.
Depois acorda a vida!,
e enfia novamente tua língua azul-marinho
em sua boca cheia de dentes.
Consente vez ou outra
que a vida te morda
- O que é um homem sem marcas?
Finge que não gostou,
finge que a vida necessita do teu perdão.
E perdôa,
mas não morre não.
Não precisas engordar teus dedos,
apenas não deixes que eles desapareçam,
precisas dos dedos para cutucar a vida,
precisas dos dedos para ferir a vida
quando te sentires ameaçado.
É verdade, irmão, a vida é traiçoeira,
a vida é a mulher que nos beija a testa
e depois rouba os nossos maridos.
É verdade, igual, a vida é o homem mau
que freqüenta a nossa casa
e molesta as nossas crianças.
Mas não morre não,
que é exatamente isso que ela quer.
Orgulha-te, e na hora certa,
acontecerá a merecida morte da vida:
morrerá desgostosa por te ver tão feliz,
de pé.

segunda-feira, junho 18, 2007

A Prostituta

Onde estás, Homem Que Me Amará?
Ser humano que me acolherá
em seu ventre materno.
Entre o instinto de bicho desbravador
- pondo os pés em minhas terras -
e o bendito som erudito do mar espancando as pedras.

Onde estás, Homem Que Não Saberá Mentir?
E que olhará para mim
como um colhedor de frutas
olha para uma maçã:
sem segredos e mistificação,
mas co'a garganta cheia de coração.

Onde estás, Homem Das Gentilezas?
- Sim, até para devorar
é necessário ser gentil.
O mel pode não dar nenhum prazer,
quando o morrer, Homem Escondido,
se dá antes do nascer.

Eu não peço ser coisa divina
cheia de paixão pelo pudor.
Não peço que corem o meu rosto,
apenas não quero o desgosto
de ser gente sem amor.

quarta-feira, junho 13, 2007

Namoradinho

Vem ser, vem ser meu namoradinho.
Como naqueles filmes
em que o pobre poeta
cai de amores pela moça nobre.
- O que é um nome, amor?
Vem ser, vem ser meu namoradinho,
o namorado que roubará
a flor mais bonita do jardim do vizinho,
e chegará suado à minha casa,
ofertando-a, tremendo,
com o sangue escorrendo
do dedo agredido pelo espinho.
Ah, vem ser meu namoradinho!
O namorado mais amante
que alguém já pôde ter.
Que embalará canções românticas, coloridas,
sussurradas ao meu ouvido
- unicamente teu! -
para o meu despertar.
Vem ser, vem ser meu namoradinho,
o namorado que chegará antes que o sol
só para ver como é o meu jeito de sonhar.
Depos me cobrirá de beijinhos
que me libertarão do feitiço
- vem ser amigo íntimo do muito imaginar.
Vem ser meu namoradinho,
aquele primeiro, bonitinho,
convocando-me ao passional
mundo dos cafonas.
Vem me deixar trêmula,
grudada ao radinho de pilha,
sonhando alguma ilha
distante e sorridente.
Vem ser meu namorado cheio de dentes,
para quando receber os meus sinais,
morder-me muito, morder-me mais!
Vem ser, vem ser meu namoradinho, amor.
Podemos passear na praça, na praia, ou mesmo na sala de casa,
inventar piquenique
e nos alimentar - um ao outro -
de frutas frescas.
Vem ser o namorado que se arrisca
a subir no galho mais alto da árvore mais alta
do quintal da bruxa má
para colher maçãs.
Depos à mim entregá-las, sorrindo,
comparando-as com minhas bochechas
coradas de emoção.
Vem ser, vem ser meu namoradinho, amor.
Mas se esta idéia não te agrada,
se não queres ser meu namorado não,
vem apenas ser,
simplismente ser,
vencer, irmão.

terça-feira, junho 05, 2007

Eu Sei

Eu sei quando estou apaixonada porque sou o que alimenta a fome.
A comida mais doce e mais amarga do homem.
E tanto(!) pode ser minha a sua vontade de morder:
dente após dente, num balé esquisito.
Eu sei quando estou apaixonada porque o meu estômago ronca aflito.

De repente, eu percebo
- uma vontade de envolver o moço em laços...
Quebrar suas costelas e invadir seu espaço.
Fazê-lo, pequeno, caber num prato qualquer.
E odiá-lo tanto; eu sei quando estou apaixonada.

Não nado em piscina de flores, como dizem os sonhadores.
Estar apaixonada é habitar aquário pequeno,
sem luxo, sem nada.
E sentir essa urgente necessidade de tomar alimento,
até beber a própria casa.

Eu sei: a paixão é querer devorar o mundo,
livre do medo da má digestão.