domingo, dezembro 03, 2006

Eduardo e Mônica (quarta-feira de cinzas).

Ele tinha um cabelo engraçado. Não conheci seus outros pêlos, mas entendi que habitei seu espaço e vasculhei as gavetas de sua alma. Chamava-se Eduardo e tinha um jeito de querer bem. O frio não me acalmava. Talvez eu sentisse medo de morrer de amor, o inverno tem dessas coisas. Um cigarro aceso à tardinha, e suas mãos geladas passeando pela minha carne anoitecida.
- Acorda, carne! Acorda, carne! Vem provar da criança desconhecida.
Ele não sabia, mas me machucava muito. Machucava-me sempre, amiúde. Se me fitava, era dor rápida. Se me mordia, sangrava. Se me beijava, ardia. Eu lhe ensinava a viver? Mesmo co'as unhas vermelhas, a pele já muito mastigada, tinta no cabelo, eu não ensinava nada. E aprendi a chorar de saudade.
- Mônica, você é mulher, as mulheres destroem.
- Eduardo, diante de um homem, as mulheres se roem.
A fraqueza subia e descia nas minhas entranhas. Eu era uma espécie de elevador para os sentimentos mais brutos.
- Eduardo, preciso comprar cigarros.
- Mônica, preciso ir embora.
Um soco no estômago.
- Tem certeza?
- Sim, amanhã eu tenho aula.
Eu já havia esquecido que estava amando uma criança.
A despedida seguiu o mesmo ritmo da grande São Paulo: não nos olhamos fundo, não nos comemos muito, não valsamos. E os seus passos sumiram naquela esquina escura.
Atravessei a rua.
- Quanto custa um maço?
- Dois e trinta, senhora.
Mentira do moço. Tive de dar meu sangue para ter novamente o gosto do beijo esfumaçado. E dei.
Meu peito dilacerou todo o resto, e viveu uma quarta-feira de cinzas. Tentei rasgar a fantasia, parar o frevo, esquecer o encantamento. Mas Eduardo não saiu de mim, permaneceu do mesmo jeito: falando coisas belas, fingindo-se de tonto, achando que eu era o maestro.
Até hoje ele diz que eu puxo o bloco; que dança conforme a minha música. O que ele não sabe é que a minha música se dá conforme a dança dele.



para Vitor.

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