quarta-feira, novembro 22, 2006

Bárbara

Bárbara me assoprava roçando a sua pele generosa no mulato cheirando a sal que era eu. Assoprava, como se quisesse aliviar a dor que sua mordida, dada através de um sorriso frouxo que parecia querer chamar os homens de bem para a briga, havia causado instantes antes. Ela era um oitavo pecado bíblico, corrompendo o menino que, antes de sua aparição, imaginava já ter vivido dois séculos de acontecimentos consideravelmente importantes.

Bárbara era uma fruta excêntrica que, sem querer, deixei cair de uma árvore velha e esquecida, numa daquelas manhãs de domingo ensolarado. Não ousei provar, mas a olhando, pude sentir uma doçura extrema, tão doce, que amargou para sempre a minha garganta.
No momento em que eu mais precisei de paz, chega a guerra fantasiada de mulher, fazendo um batalhão de soldados apontar suas armas contra o meu peito infantil. Eu quase morri de uma morte lenta, em silêncio profundo: uma enfermidade chamada Bárbara. Ela amava sem pudor e odiava sem culpa.

Eu a vi pela primeira vez numa casa aonde se vendiam moças para solteirões de meia idade aliviarem a solidão. Era noite de natal em todos os lugares do mundo, menos naquele inferno viciante no qual eu me rendia, toda semana, às lindas garotas loiras e rechonchudas, sempre dispostas a tudo. Ela estava sentada no bar, diferente, vestindo pele e cabelos de bicho, do brejo. Fiquei observando seus movimentos vadios, e senti uma inesquecível vontade de comê-la parte por parte, mas sua expressão assustada parecia querer avisar que ela não pertencia àquela sujeira. Ousei abordá-la, mas ela nada disse, pegou a mochila e saiu do estabelecimento me olhando com desprezo. Depois eu soube que ela havia estado ali para pedir informações, pois havia chegado à cidade naquela noite.

Eu não entendia aquela senhora de dezenove anos, rosto e corpo satânicos que tanto inspiravam posses brutais. Constantemente, ela passava em frente a minha casa, em cima de uma bicicleta velha. Sempre olhava para a minha janela e sorria pra mim. Sempre me mastigava um pouquinho com aqueles dentes brancos. Parecia que tudo havia sido planejado para me transformar em um homem morto.

Bárbara me olhava capaz de ler minha alma. Aproximava-se, tocava meu íntimo, falava coisas imundas no meu ouvido, mostrava-me pedacinhos do seu corpo. Eu não conseguia vomitar uma só palavra, mas o meu olhar de bicho no cio dizia tudo por mim. E ela 'escutava' o que parecia já saber: bruxa, enigmática. Quando eu tentava devolver os carinhos, ela corria fugida de mim, deixando a minha garganta seca e as minhas mãos vazias. Com o tempo, suas frases eróticas e pornográficas começaram a soar como música aos meus ouvidos, e todas as noites, eu dormia escutando o eco de suas gargalhadas escandalosas. O amor entrava em mim.

Ela mostrava-se da vida, dia após dia, e eu nunca devorei sua carne. Não por falta de vontade, claro, mas por falta de coragem. Bárbara era uma espécie de cobiça para todos os machos da cidade que, diferentes de mim, sempre a enchiam de cantadas ridículas, mas nunca tiveram sua atenção. O que me fazia, orgulhoso, pensar na possibilidade de eu ser seu único amante telepático. Mas ela me contava suas aventuras sexuais como quem troca de roupa, e elas me pareciam acontecer com a mesma freqüência de um copo d'água. Além de tudo, eu sempre acreditei nas suas palavras.

A última vez que a vi, foi em uma noite sem lua e sem estrelas. Uma noite seca. Eu estava na calçada em frente a minha casa, fumando um cigarro. Ela passou por mim, alegre e apressada. Parou, me olhou dos pés a cabeça, pediu-me um trago, agradeceu com um beijo no rosto e saiu soltando a fumaça até sumir naquela rua vazia e escura. Pouco tempo depois, ouvi os gritos. Encontrei-a morta, caída no chão, vestido rasgado e lágrimas ainda nos olhos. Ela sangrava por baixo. Senhores, a vadia era virgem.

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