Recife, treze de junho de 1989
Ontem à noite, pouco antes de adormecer, eu construí um castelo. Um castelo azul, ou vermelho, ou cor-de-castelo mesmo – já não sei bem. Um altíssimo castelo, iluminado, lindo, onde viveremos amando e, do mais ardente amor, morreremos: com o sangue elegante dos amantes jorrando dos nossos furos, ou feridas, ou sussurros –já não sei bem. O meu único medo era o de porventura sermos descobertos em nossa liberdade, por isso, cuidadosamente, tratei de construir um castelo oculto; solto dentro da noite secreta; perdido na mata inviolável do ser. Um castelo selvagem, cuja porta nos devorará até que nós devoraremos não somente as portas, mas também janelas e paredes e vidraças – nós: famintos e ávidos de mais amor, Querido, já pensou? Dentro desse Novo Mundo – a que prefiro, carinhosamente, chamar de castelo – dentro desse Novo Mundo, nós correremos perigo por amar demais e, justamente por amar tanto, também seremos perigosos: fuçando um pouco mais o imaginário, posso nos ver imensos, temidos pela mobília, quadros, escadarias, tudo. E nós, tomados pelo habitual sadismo dos amantes, debocharemos da vida, equilibristas, vagabundos, animais. Eu serei a mulherzinha: nua, fértil, liberta; você será o macho: silencioso, peludo, feroz – nós dois, juntos, seremos uma única criatura úmida, enquanto o sentimento, essa força maior, será o nosso criador. Às vezes nos possuirá, de súbito, aquela vontade natural de destruir tudo e pôr à baixo o castelo, mas não faz mal: resistiremos heroicamente, e aproveitaremos a fúria para nos atirar um contra o outro, ou entrar um no outro, ou morar um no outro – já não sei bem. Aos domingos, sairemos para brincar no jardim: você dará um jeito qualquer de adivinhar o meu estado de espírito e enfiará uma florzinha murcha entre os meus cabelos; nós chuparemos frutas cítricas até que não lhes sobre nem mesmo o caroço; cavalgaremos leões, ou onças, ou nós mesmos. Viveremos dentro da célula-mãe das coisas, seremos matéria-prima. Querido, acredite: com essas mãos de velha e esse fôlego cansado – a partir dessa fina matéria de vida que me resta – eu construí um castelo! Um castelo, ou um edifício, ou mesmo uma modesta casinha – já não sei bem. O que eu sei é que, apaixonadamente, ergui paredes e construí a nossa morada. Agora só me resta construir você, Querido.
Querido Outro,
Ontem à noite, pouco antes de adormecer, eu construí um castelo. Um castelo azul, ou vermelho, ou cor-de-castelo mesmo – já não sei bem. Um altíssimo castelo, iluminado, lindo, onde viveremos amando e, do mais ardente amor, morreremos: com o sangue elegante dos amantes jorrando dos nossos furos, ou feridas, ou sussurros –já não sei bem. O meu único medo era o de porventura sermos descobertos em nossa liberdade, por isso, cuidadosamente, tratei de construir um castelo oculto; solto dentro da noite secreta; perdido na mata inviolável do ser. Um castelo selvagem, cuja porta nos devorará até que nós devoraremos não somente as portas, mas também janelas e paredes e vidraças – nós: famintos e ávidos de mais amor, Querido, já pensou? Dentro desse Novo Mundo – a que prefiro, carinhosamente, chamar de castelo – dentro desse Novo Mundo, nós correremos perigo por amar demais e, justamente por amar tanto, também seremos perigosos: fuçando um pouco mais o imaginário, posso nos ver imensos, temidos pela mobília, quadros, escadarias, tudo. E nós, tomados pelo habitual sadismo dos amantes, debocharemos da vida, equilibristas, vagabundos, animais. Eu serei a mulherzinha: nua, fértil, liberta; você será o macho: silencioso, peludo, feroz – nós dois, juntos, seremos uma única criatura úmida, enquanto o sentimento, essa força maior, será o nosso criador. Às vezes nos possuirá, de súbito, aquela vontade natural de destruir tudo e pôr à baixo o castelo, mas não faz mal: resistiremos heroicamente, e aproveitaremos a fúria para nos atirar um contra o outro, ou entrar um no outro, ou morar um no outro – já não sei bem. Aos domingos, sairemos para brincar no jardim: você dará um jeito qualquer de adivinhar o meu estado de espírito e enfiará uma florzinha murcha entre os meus cabelos; nós chuparemos frutas cítricas até que não lhes sobre nem mesmo o caroço; cavalgaremos leões, ou onças, ou nós mesmos. Viveremos dentro da célula-mãe das coisas, seremos matéria-prima. Querido, acredite: com essas mãos de velha e esse fôlego cansado – a partir dessa fina matéria de vida que me resta – eu construí um castelo! Um castelo, ou um edifício, ou mesmo uma modesta casinha – já não sei bem. O que eu sei é que, apaixonadamente, ergui paredes e construí a nossa morada. Agora só me resta construir você, Querido.
6 comentários:
Simplesmente lindooooooooooooooooooooooooooo!!!!!!!!!!! Paula
Tuas palavas me fazem enxarcar os olhos de sentimentos, recentimentos e sonhos. Menina demasiadamente fértil de tentativas libertarias. Seja livre até quando não queiras mais. Passe a ser o que seja até o mais mórbido sentimento. Crie castelos e destrua os mesmos. Tuas és linda e sempre serás minha independente do que venha a ser.
Te quero Preta.
Bjos dessa ilusão dissolvida entre eternas caminhadas.
Minha preta, minha só minha. E desse mundo tão vasto.
Eu teu, demorei muito p entender teu espírito, tua busca. E peço perdão. O mundo ai fora às vezes e rude e veloz, e faz a gente não sentir o cheiro da própria respiração. Te ler e te entender, faz de mim um menino em lagrimas, é lindo e inquietante te ver flutuar sem sair do chão, imersas em novas descobertas. Minhas flores são vivas, e o jardim logo ali ao lado. Vamos juntos descalços.
Amo te ter. Te amo.
Lindo! Não sei dizer mais nada, apenas sinto. Muito bonito!
como sinto falta de teus escritos menina. onde estao estas palavras tao leves, azuis e agri-doces misturada de angustia, torpeza e poesia? me encantaria ver-te ou sentir a fluidez de tuas letras
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