sexta-feira, abril 24, 2009

A Descoberta

Pare de sorrir, por favor. Eu odeio quando você sorri - o seu semblante vulgariza-se e tudo fica esteticamente feio (sua boca, quando alegre, amarga); seu corpo todo se balança, sua barriga tambem gargalha, você entra em um transe patético que casa perfeitamente com o balé esquisito que os seus pés emendam; o som da sua risada me dá nos nervos (apesar de genuinamente feliz, eu sei, a música que você canta quando ri soa forçada). Eu tenho vontade de vomitar quando penso nas roupas que você veste, nos sapatos que você calça, nos assessórios que você usa: tudo que compõe a sua imagem me deixa paralisada de tanto ódio. Eu te odeio com tanta força, que seria em vão a tentativa de qualquer movimento contrário - o ódio transcende a minha própria existência (o ódio é o meu filho indesejado que alimenta-se do meu espírito, vai ficando bruto até o dia de sua explosão. Parido, ele cresce e torna-se imenso, atingindo involuntariamente o além-mim. Fica maior que eu, meu odiozinho, ganha vida própria, independe das minhas vontades mas... mas ainda é meu). Enquanto os poetas tecem, com muito cuidado, a palavra que dará corpo a sua louca paixão, eu não - eu derramo sobre o papel o que há de pior em mim; eu sujo a vida de ódio mortal. E por você, confesso, não sei sentir outra coisa que não este sórdido sentimento de uma baixeza quase sádica. Eu sou cuel porque te odeio, ou te odeio porque sou cruel? Já não sei mais onde começa e onde termina a minha antipatia por você, pois quando te vejo caminhar tranquilo, bocejando - como se tivesse demasiada fé no futuro -, eu me desorganizo toda e os meus pedaços se espalham sobre a calçada e eu me transformo em pura sucata de natureza indesejável. Quando eu te vejo, eu sou O Monstro, pois te odeio verdadeiramente; pois sinto absurda necessidade de te mastigar e te engolir todo, como nas histórias de fantasia. Sinto vontade de comer o seu ser para que você não tenha mais existência; para que você morra; para que você não habite mais o mesmo espaço que eu e para que não provoque mais em mim essa ânsia de vômito horrível; essa indigestão fatal. São sete e meia da manhã e você já vem fechar a janela e me dizer "boa noite" com aquela voz grossa de homem maduro e aquele jeito ridículo de quem tudo sabe sobre a vida. Cá pra nós: eu nunca entendi como essa sua calmaria de entidade espiritual consegue ser tão detestável. Você chega e me diz algo como "tenha calma", e não percebe que é justamente a minha inquietação que me dá forças para continuar, enquanto você fica tão pequeno e mole e líquido e a sua vida toda se resume em ser apenas aquele vazamento incômodo na cozinha. Eu te odeio sem saber muito a respeito do ódio, sem o menor conhecimento acadêmico sobre o assunto: em minhas entranhas ele nasce inconsciente do seu poder, como nasce, inconsciente de sua beleza, uma florzinha. E em mim, a cada vez que te imagino, ele cresce alguns centímetros, com a liberdade de crescer infinitamente, mas negrinho-negrinho, escravizado por ele mesmo. O meu ódio por você é o meu veneno, e, um dia - eu sei - um dia eu hei de morrer envenenada de mim. Às vezes eu paro durante longos instantes e observo esse vão que existe entre eu e você, esse bolo quase sólido que se chama mistério... Então, suada e exausta, eu me submeto à mais estranha das descobertas: há o ódio porque há o amor.

2 comentários:

Anônimo disse...

E, pelo que vejo, há muito mais amor do que ódio.

João Paulo Güma disse...

eh... pelo que eu vejo odio eh boia... e o amor eh o mar nessa historia toda