domingo, dezembro 28, 2008

Árdua

Põe seu ouvido em meu peito
e escuta:
vivo em função do desejo
e o desejo também é labuta.
Compreenda
quando ouvir pedras, suores, lampejo.
E sorria:
a labuta também é desejo.
Põe seu ouvido em meu peito...
Percebe?
No túmulo onde nasce a dor
renasce a verve.

domingo, dezembro 21, 2008

A Linha do Tempo & O Tempo da Linha

Uma agulha aponta, tensa,
o caminho:
o amor costurando
nosso vestido em linho.

Resta saber se, no futuro,
estaremos
no corpo de hoje,
para caber certinho.

terça-feira, dezembro 16, 2008

De Mulher

A minha fortaleza transforma-se em líqüido e vai-se embora pelo ralo. Ele trouxe para as minhas pernas essa fraqueza de mulher e para a minha vida essa estupidez gostosa de sentir - durante o dia sou sua fruta podre adormecida debaixo d'árvore; durante a noite sou sua fruta ainda azeda de tanta juventude. Meu homem! Encho-me de fôlego e digo - com a voz rasgada em retalhinhos -: "Meu homem"! Como é bom dizer assim que este homem, que traz nas veias urina e mel, é meu. A desgraça ganha outra forma, como se florisse em terra árida. Ele, desajeitado, bebe todo o meu leite, e eu pasto sobre seu lençol. Se a agonia tivesse cor, seria a cor dos meus olhos quando ele bate a porta e vai. Vai para onde? Ñão sei. Sei que cada instante da espera é sagrado, pois é feito de sufocante paixão. Seu bigode chupa meu veneno - seu bigode, não sua boca. Ele não é a boca, os olhos, o corpo dele... ele é o bigode dele, grosso e moreno. Seu bigode chupa, arranca o eu cruel, e depois cospe. Tomo isso como prova de amor, pois ele arranca o pior de mim e depois joga fora, deixando-me tão boa para ele enquanto ele permanece tão mau. Não sei ser outra coisa que não sua frutinha. Não sei desejar outra coisa que não seus beijos ardidos de cebola, suas mãos castigando-me pelo crime que não cometi. Pela manhã, começam a me doer os ossos. Preparo o seu dia como quem prepara o lanche do filho (como eu queria que ele coubesse dentro de mim e dentro de mim ficasse para sempre...) Encosto minha boca na sua, delirando de velhice. À noite não enxugo a testa e, assim, deixo que pinguem todos os suores do desejo: eu desejo a inundação. Antes de dormir, ajeito meu sonho de forma que possa caber dentro do seu. Ele: o homem mais bonito; o lobo traidor; a cruz de outro pendurada no pescoço; a meia-noite de qualquer madrugada. Eu: sua mulherzinha.

Tamanho é o meu prazer ao vê-lo, satisfeito, lambuzar-se da comida que eu - não outrinha, mas eu -, com tanto gosto, preparo.

quinta-feira, dezembro 04, 2008

sobre o tempo líqüido do amor

Agora és somente
a escura e suja sombra do que foste.
Cambaleias,
enquanto eu
- dura flor menstruada -,
muito do que fui ainda sou.
Passaste como passa o passarinho,
tão pobrinho,
sangrando devagar, gota a gota.
Eu sou a guerra que resiste às horas;
eu não sangrei: eu-sangue sempre agora.
Tens apenas
o resto do orvalho na pétala da carne
(o tempo te seca, do teu pranto fica as pedras de sal),
enquanto eu
- eu suo chuva o tempo todo; eu (a)temporal.
Das águas que fomos,
sobrou a lama feita de dor.
Agora é somente
a escura e suja sobra do amor.