segunda-feira, fevereiro 18, 2008

O Monstro

Não sei porque escrevo. Talvez eu escreva porque, para mim, esta poesia - que, por vezes, cheira mal - é a única arma - a espada que me resta - para lutar contra O Monstro. Esse Monstro habita a caverna que eu carrego dentro de mim, é dentro dela que ele permanece: quieto em sua obscuridade, mudo e santo: santo no altar dos sem-deus - feito puta doce escorrendo pelo queixo. Mas às vezes, muitas vezes, O Monstro teima em saltar para fora da caverna, teima em conhecer o mundo, e não percebe o quanto é inadequado para este mundo, e é nesta hora que eu tenho de escrever: palavra como defesa. O Monstro me parece aqueles tios gordos, desajeitados, bobos, que não percebem o quanto estão sendo a-me-a-ça-do-res quando, brincando, pulam em cima do sobrinho pequeno ou da irmã magricela. É cheio de uma inocência quase feminina, quase floral, não tem intenção de machucar, mas isso não o livra de ser pesado, inoportuno e imensamente perigoso. Nos dias em que O Monstro mostra a cara, eu sou menina temendo a escuridão do orfanato, e tudo o que eu tenho é minha poesia, instrumento cortante levado em minhas mãos agora cristãs, nestas mãos que sempre foram infiéis e desacreditadas - agora eu tenho de crer em alguma coisa maior que este buraco que O Monstro me cava no peito. Ah, como era bom o gosto que dava na boca quando Monstro não havia, nem nada. Era uma surra gostosa, um ato alérgico, uma pílula perigosa. Era o nunca vôo, e como era bom o não saber voar. Eu estava mais perto das horas, eu era o ponteiro dos minutos, ali, incrédulo o bastante para fazer passar o tempo e não doer, não arranhar. De repente, chega este grandiosíssimo bicho, de felicidade ordinária, vestindo pêlos feios, todo curioso em relação a vida, e me transformando nesta pobre senhora crente em superioridades e completamente escrava de uma poesia dura que, por vezes, cheira a mofo. Eu, que sempre fui mulherzinha atea, agora tenho de crer em alguma coisa maior que este buraco que O Monstro me cava no peito. Aquele cheiro ímpio que eu exalava - doutrina erguida com força bruta: amor era carne, carne era Deus -, aquele cheiro se perdeu dentro de mim. Aquele amor sem alma - cuspe de um vulcão: amor suado, sólida exacerbação -, aquele amor me destruiu a morada. E hoje está tudo dissipado. Minha paixão, que antes tinha o gosto raro de fazer língua derreter, estourou silenciosamente: o suspiro d'O Monstro é a minha explosão.

5 comentários:

Raphinha disse...

=***

Anônimo disse...

Não sei se sabes, mas fosse muito bem recomendada.
Vejo que não estava enganada =*

Biagio Pecorelli (be.) disse...

Verboteístas, pretinha! Pastores! somos todos uns pastores do rebanho arredio das palavras, ou fiéis no Pastor Maior o verbo (e tudo que ele ousa preencher em vão).

precisamos mesmo sentar e trocar esses cálices... bora fazer A Batalha do Monstro da Preta contra o Gato Preto do Bi.

huahuahauhua... isso dá é medo! vai ser víscera de poeta pra tudo quanto é lado!

beijo!
cada vez melhor.

Wellington de Melo disse...

E eu entro na briga de vocês com A Máquina, que é meu monstro particular.

Poderosa prosa poética. Parabéns.

Anônimo disse...

muito Clarive isso po!
lindo!