sábado, novembro 24, 2007

Eu Viúva

Acaba agora, amor, esta história grandiosamente interessante, de um charme intenso por ter sido sempre a história de um amor aos pedaços. Nosso amor como um cego que requer todos os cuidados do mundo para não cair do precipício - nosso amor que sempre esteve à beira do precipício. Nosso amor como flor pálida exalando cheiro de qualquer coisa bruta - nosso amor que sempre usou da brutalidade dos fracos, órfãos e mendigos, para se proteger do edema de glote que poderia ser fatal. Nosso amor que jogava xadrez por ter nascido com um sopro no coração.

Eu entendo a vida como algo tão quase programado, que seria em vão a tentativa de evitar o fim - o morcego sempre vem chupar o nosso sangue -, porque meu cepticismo não me deixa acreditar que o que dura, dura mais de uma vida. A nossa eternidade e plenitude tinha de ter algum sentido concreto, como quando pegamos a xícara e bebemos qualquer coisa de dentro dela até a última gota, e depois de alguns minutos, percebemo-nos submetidos à uma forte alergia ao líquido. Nós nos submetemos à esta alergia cruel e só agora fomos capazes de parar de beber deste amor - amor acessível e deliciosamente ressacado - amor como cerveja.

As horas vão passando e eu estou ficando com o mal cheiro deste amor-defunto etranhado em minha pele, e me falta a grande coragem de sepultar de vez esta história. Eu não desejo sequer a lembrança desta coisa quase maciça que, um dia, teve vida, embora eu saiba que nos próximos dias, cobrirei-me com um negro véu - tal qual uma viuvinha - e chorarei ajoelhada diante do seu túmulo. Mas isto não é uma carta de despedida, isto é, sem dúvida, uma carta de exorcismo de um sentimento que não pode mais existir - ou dos brevíssimos e suados fatos nos quais esse sentimento se perpetuou em sua árdua existência. Somos todos filhos da existência de um amor breve e suado.

Querido, escuta-te, observa-te, alimenta-te de tua morte, pois é em tua morte que vais renascer, como a segunda tentativa de fecundação de uma mãe que sofreu um aborto. Podes crer, amor: a vida é mística demais em seu cepticismo, e ela nos pregará peças enquanto estivermos respirando. Respira, querido, uma derradeira vez, dentro de mim! Pois a nossa história acaba agora: no instante em que esse pedaço obtuso de coisa mágica se incorpora ao pedaço obscuro de coisa trágica.

2 comentários:

Marina Moura disse...

Eu sempre entro em êxtase ao te ler.

Vanessa Carvalho disse...

Caraca,Preta..tu tava inspiradíssima!Me identifiquei total..aiai!
:)
Preta