domingo, fevereiro 25, 2007

Mistura

Em minha larga boca
adormecem seis tipos de saliva.
As mais salgadas,
as mais doces
e as mais ácidas.
Azeda carne que lambo sem juízo.

Em meu mendigo interior
adormecem seis tipos de gente.
As mais elegantes,
as mais desvairadas
e as mais sinceras.
Bendito sangue que bebo sorrindo.

Em meu cavado estômago
adormecem seis tipos de borboletinha.
As mais serelepes,
as mais minuciosas
e as mais podres.
Triste mistura que vomito chorando.

terça-feira, fevereiro 20, 2007

O artista

Um artista pode deletar a dor que sente.
A dor como cordas que libertam o libertino
e aprisionam o pacato menino d'alma.

O menino chora.
E acende a fluorescente luz dos olhos que lacrimejam.
A lágrima por si só me parece ser nada.

O nada aonde a lágrima dos olhos fluorescentes do menino
o libertam daquela alma cheia de velhice.

Eu não sei ser artista.

domingo, fevereiro 11, 2007

Desvairada

Invado a minha própria alma
- costumo seguir os caminhos mais brutos.
Gosto demais do beijos sem amor
- prefiro morrer de fome a morrer de dor.

Sou louca instável,
e tardo dentro de algumas pessoas.
Amanheço inquieta mendiga,
demoro e arranco carícias boas.

Mas homem sem mim vive melhor
- para quê, para quê a insônia
e todos os alardes que provoco?
Para quê os poetas endiabrados que invoco?

Coisas sem mel
- não sendo assim, sou gato morto.
Sentimentos sem pés
- sou mulher aflita, sou anjo torto.

Fuja de mim antes que eu encarne
- subitamente me alucino!
Sonho vadio: longe do chão;
amo pequeno: perto da carne.

Sou pecado e pecador
- sou fraca.
Viva por você, sem luto.
Eu só sei fazer sofrer,
eu machuco.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Um só riso.

O sorriso dela me foi tiro de canhão.
Sorriso que mandava em tudo.
O sorriso era patrão da boca,
patrão dos olhos,
patrão do tecido epitelial.
Era um sorriso-carne que encharcava
minha visão de menino aprendendo a sonhar.
O sorriso dela dizia: "Pare!",
eu parava.
Depois dizia: "Ande!",
e quem era eu para contrariar?
Um sorriso assim frouxo, assim largo,
assim senhor.
Não apenas um sorriso,
mas um sorriso de verdade.
Eu entrei no sorriso dela,
afrouxei a gravata,
cochilei no sofá.
E quando, por agonia, tentava fugir,
a dona gargalhava.
Hoje sou um morto morador do sorriso dela.
Moro e morro no sorriso dela.
Para sempre minha mortalha:
Um sorriso assim dente, assim gengiva,
assim casa.