quinta-feira, novembro 30, 2006

Maria Morna e Lisa.



Andei deslumbrado com a pureza
Que Maria traz nos olhos
Apenas um desgarrado como eu
- peito coberto de pêlos,
sonho coberto de apelos,
coisas de macho espalhadas por todo corpo -
Pode espantar-se com a castidade natural
Das flores matinais sob o sol

Maria, no entando, encontra-me tonto
Vê-me pronto
Como eu bem sou

Não reclama do meu bigode grosso
Nem das minhas veias libidinosas
Que teimam em saltar pra fora,
Num ato alérgico,
A fim de contemplar de perto
O que eu chamo de Sutileza-Maria

Maria não implica com nada de homem
Que mora em mim
- dentes fortes, ombros fartos, rispidez, fome -
Muito pelo contrário:
Sinto gosto
Em seus sorrisinhos laterais.

Meu Namorado (tudo que entra, sai).

Estou nua sem as mãos do meu amor.
As mãos que eu lavei, passei, vesti.
As mãos que cansaram de me servir.
As mãos do meu amor.

Estou doente, pois as mãos saíram de mim.
Fugiram para o Deserto Das Almas De Lá.
Lá: um lugar qualquer mais carmim
- Mais carmim que as almas de cá.

Estou desnutrida sem as mãos do meu amor.
Umas mãos grandes e pesadas e ásperas.
Mãos de homem que muda constantemente de casa.
Homem que tem o dom de sumir
- Aquele que não tem fé em nada.

Meu namorando é ateu
mas vai de Deus em Deus a me buscar.
O seu desabitar doeu em mim
- Antes eu não tivesse deixado sua mão entrar.

quarta-feira, novembro 29, 2006

Meu Pai (ou Os Sapatos).


Estou calçando os sapatos
Que meu pai usou
Na Última Guerra Mundial.
O mundo era minha casa,
E meu pai chorou o amor violentado.

Deixou para trás a mãe que enfraquecia,
Os filhos que amava,
A vida que não cabia.
E, sorrindo, conheceu a desgraça
Que ainda estava por desabrochar.

Bebeu um mar de cachaça,
Amigou-se à fantasia,
Cantou a noite, dançou o dia,
Embalou-se no estalo
Da música fria.

E, enquanto a máscara caía,
Percebia a morte,
Mas não a entendia,
E morria,
Falsificando a alegria.

O meu pai foi embora
Com os pés descalços,
E hoje
Estou calçando os mesmo sapatos
Habitados de nada.


Para Alírio Moraes.

sexta-feira, novembro 24, 2006

Ainda sem nome.

Em meu peito mora um inverno de sertões e secas.
De frio, gelo e sol escaldante.
Um homem de chapéu branco passeia cá dentro,
E canta a lira, e produz espasmos ululantes!
Tudo fica como se eu estivesse só.

Em meu peito habita um deserto de multidões e seitas.
De muita gente, alguém e coisa nenhuma.
Um homem de chapéu branco abandona a casa,
E me despetala:
Sou rosa pálida em agonia.

Em meu peito grita um inferno de compaixão e mágoa.
De boas risadas e grande chama de dor.
Um homem de chapéu branco ascende a angústia,
Clama beijos fartos e me faz calor.

O meu peito: morada dos homens.
Os meus homens: fábrica de amor.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Ideologia


Não sei escrever com a mão direita,
Definitivamente.
Embora às vezes a esquerda me falhe.

Ainda assim,
Aposto na contracultura
Do canhotismo.

quarta-feira, novembro 22, 2006

Pagu


Eu amo as coisas que,
provavelmente,
um cético não amaria.
Porque nem sempre podemos tocar
as coisas que eu amo.
Eu amo as coisas bonitas da vida.
É tudo vão e louco,
e dentro de minha barriga
há um amplo zoológico.
Se tu me perguntares:
- E os leões?
Responderei-te que eles
alimentam-se de mim.
Se tu me perguntares:
- E os peixinhos?
Senhor, há também
lagos no zoológico.
Lagos de águas claras e escuras.
Se duvidar, há até mar dentro do zoológico
de dentro da minha barriga.
As borboletas também estão presentes.
Aquelas coloridinhas, bonitinhas, dançarinas.
Aquelas que vivem nos jardins.
Pois é, há também jardins
dentro do zoológico.
Jardins de flores amargas e doces.
Se duvidar, há até floresta dentro do zoológico
de dentro da minha barriga.
Um dia, perguntaram-me:
- E os homens?
Respondi que em qualquer estabelecimento,
selvagem ou não,
o homem está presente para organizar
as coisas bonitas da vida.
Mas em minha barriga,
o homem desorganiza.

Pássara

Uma mulher entrou em mim.
Ombros largos, olhos fundos, boca salgada.
Estranhei, afinal, corpo estranho.
Mas vesti o manto da insanidade
Para que ela dançasse em meu estômago,
Livre,
Como pássaro longe do ninho, do galho,
Longe até do céu!
Procurando infinito novo
E novas asas por nascer.

Essa mulher fechou os meus olhos.
E os abriu também!
Com a mesma brutalidade...
E fez milhões de filhos imaginários
Habitarem o céu do meu ventre púbere:
Fui mãe antes da minha mãe nascer.

Bebo fel, corto pulso, dor não cessa.
Anda para lá e para cá, para lá e para cá,
Valsa!
Oscilo entre a delícia e a desgraça
De não caber mais em mim.

Sou grande, estou fraco.
Não luto contra, e a mulher teima em ficar.
E o meu peito a implorar
Mais compaixão!
Um país de terceiro mundo
Dentro de um coração batendo muito,
Que de tanto bater muito,
Não tardará parar.

Poesia que está em mim,
Minh'alma é tua casa.
E que aqui permaneças
- sem ti sou farsa.

Bárbara

Bárbara me assoprava roçando a sua pele generosa no mulato cheirando a sal que era eu. Assoprava, como se quisesse aliviar a dor que sua mordida, dada através de um sorriso frouxo que parecia querer chamar os homens de bem para a briga, havia causado instantes antes. Ela era um oitavo pecado bíblico, corrompendo o menino que, antes de sua aparição, imaginava já ter vivido dois séculos de acontecimentos consideravelmente importantes.

Bárbara era uma fruta excêntrica que, sem querer, deixei cair de uma árvore velha e esquecida, numa daquelas manhãs de domingo ensolarado. Não ousei provar, mas a olhando, pude sentir uma doçura extrema, tão doce, que amargou para sempre a minha garganta.
No momento em que eu mais precisei de paz, chega a guerra fantasiada de mulher, fazendo um batalhão de soldados apontar suas armas contra o meu peito infantil. Eu quase morri de uma morte lenta, em silêncio profundo: uma enfermidade chamada Bárbara. Ela amava sem pudor e odiava sem culpa.

Eu a vi pela primeira vez numa casa aonde se vendiam moças para solteirões de meia idade aliviarem a solidão. Era noite de natal em todos os lugares do mundo, menos naquele inferno viciante no qual eu me rendia, toda semana, às lindas garotas loiras e rechonchudas, sempre dispostas a tudo. Ela estava sentada no bar, diferente, vestindo pele e cabelos de bicho, do brejo. Fiquei observando seus movimentos vadios, e senti uma inesquecível vontade de comê-la parte por parte, mas sua expressão assustada parecia querer avisar que ela não pertencia àquela sujeira. Ousei abordá-la, mas ela nada disse, pegou a mochila e saiu do estabelecimento me olhando com desprezo. Depois eu soube que ela havia estado ali para pedir informações, pois havia chegado à cidade naquela noite.

Eu não entendia aquela senhora de dezenove anos, rosto e corpo satânicos que tanto inspiravam posses brutais. Constantemente, ela passava em frente a minha casa, em cima de uma bicicleta velha. Sempre olhava para a minha janela e sorria pra mim. Sempre me mastigava um pouquinho com aqueles dentes brancos. Parecia que tudo havia sido planejado para me transformar em um homem morto.

Bárbara me olhava capaz de ler minha alma. Aproximava-se, tocava meu íntimo, falava coisas imundas no meu ouvido, mostrava-me pedacinhos do seu corpo. Eu não conseguia vomitar uma só palavra, mas o meu olhar de bicho no cio dizia tudo por mim. E ela 'escutava' o que parecia já saber: bruxa, enigmática. Quando eu tentava devolver os carinhos, ela corria fugida de mim, deixando a minha garganta seca e as minhas mãos vazias. Com o tempo, suas frases eróticas e pornográficas começaram a soar como música aos meus ouvidos, e todas as noites, eu dormia escutando o eco de suas gargalhadas escandalosas. O amor entrava em mim.

Ela mostrava-se da vida, dia após dia, e eu nunca devorei sua carne. Não por falta de vontade, claro, mas por falta de coragem. Bárbara era uma espécie de cobiça para todos os machos da cidade que, diferentes de mim, sempre a enchiam de cantadas ridículas, mas nunca tiveram sua atenção. O que me fazia, orgulhoso, pensar na possibilidade de eu ser seu único amante telepático. Mas ela me contava suas aventuras sexuais como quem troca de roupa, e elas me pareciam acontecer com a mesma freqüência de um copo d'água. Além de tudo, eu sempre acreditei nas suas palavras.

A última vez que a vi, foi em uma noite sem lua e sem estrelas. Uma noite seca. Eu estava na calçada em frente a minha casa, fumando um cigarro. Ela passou por mim, alegre e apressada. Parou, me olhou dos pés a cabeça, pediu-me um trago, agradeceu com um beijo no rosto e saiu soltando a fumaça até sumir naquela rua vazia e escura. Pouco tempo depois, ouvi os gritos. Encontrei-a morta, caída no chão, vestido rasgado e lágrimas ainda nos olhos. Ela sangrava por baixo. Senhores, a vadia era virgem.

de volta.

Senhores, essa é minha alma. Entrem, fiquem à vontade e não me façam esquecer que eu tenho um Blog. :}